Audiência Pública reúne especialistas para falar sobre abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes

por Comunicação — publicado 19/05/2022 10h10, última modificação 24/05/2022 13h45
Depoimentos emocionados e muitas vezes duros refletem preocupação com crianças e adolescentes vítimas de violência
Audiência Pública reúne especialistas para falar sobre abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes

Foto: Ricardo Migliorini/CMO.

Por Ana Luisa Rodrigues

Na noite da quarta-feira (18), Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual Infantil, o Plenário Tiradentes da Câmara de Osasco recebeu dezenas de pessoas interessadas em debater medidas de ação contra a exploração sexual no município. Esse foi o tema de uma Audiência Pública, proposta pela Comissão Permanente da Criança, do Adolescente da Juventude e da Mulher.

Autoridades municipais, conselheiros tutelares, advogados, médicos e gestores públicos prestigiaram o evento e falaram sobre ações, campanhas e de casos de abuso que chocam, mas que são muito comuns.

Secretária-executiva da Infância e Juventude em Osasco, Vitória Silvestre falou sobre os avanços que a cidade vem conquistando para o fortalecimento da rede de proteção às crianças e adolescentes.

“A criação e o fortalecimento da rede de proteção é fundamental e é importantíssimo que façamos o núcleo funcionar de forma eficaz, para atender a demanda da nossa cidade. É fundamental a conscientização e, principalmente, o incentivo às denúncias dos casos por meio de todos os canais existentes, como conselhos tutelares e Disque 100”.

Contando histórias duras, chocantes e tristes, a conselheira tutelar Graziela Macedo reforçou a necessidade de ter o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como principal arma no combate ao abuso e exploração sexual infantil. “Nós temos uma arma, o ECA, que preconiza os direitos das crianças e adolescentes. Precisamos levá-lo a sério e jamais deixá-lo no esquecimento. A cada 24 horas, 320 crianças são abusadas ou exploradas sexualmente no Brasil. É um dado assustador”, alertou a conselheira tutelar. Em seguida, apresentou dados com situações que ferem a o Estatuto da Criança e do Adolescente. “Quando falamos de crianças e adolescentes não podemos ter bandeiras políticas. Precisamos deixar egos, vaidades e partidarismos de lado. Nossa bandeira é a proteção de crianças e adolescentes”, aponta a conselheira.

Graziela explicou que Osasco tem se destacado pelo uso do SIPIA, um sistema nacional de registro e tratamento de informações sobre a garantia e defesa dos direitos fundamentais, uma base única nacional para formulação de políticas públicas no setor. “Os dados do SIPIA são importantes para que possamos desenvolver políticas públicas”.

O secretário municipal de Assistência Social, José Carlos Vido, relembrou os participantes sobre a origem do Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, criado pela Lei 9.970/2000, em memória à menina Araceli Crespo, de oito anos de idade, que foi sequestrada, violentada e assassinada em 18 de maio de 1973.

Vido lançou um questionamento aos participantes: “Até quando vamos criar datas simbólicas e vamos nos reunir para discutir assuntos graves depois que eles ocorreram, se ainda temos casos que se trocam crianças e adolescentes por um prato de comida? A cidade avançou muito, já que temos vários equipamentos que atendem as vítimas. Mas, sempre depois do ato consumado. É um enxugar de gelo que não tem fim”, lamentou.

Suzete Franco, secretária adjunta de Saúde em Osasco, afirmou que a resposta à pergunta do colega secretário é difícil, mas que o município está buscando alternativas e políticas públicas para interromper o ciclo de abuso e violência sexual contra crianças e adolescentes. “Muitos repetem hoje o que sofreram ontem e os reflexos do abuso sofrido são concretos. Estamos empenhados para que possamos estar o mais perto possível de onde acontece o problema e, se não conseguimos evitar, que possamos chegar rápido para fazer o atendimento”, esclarece Suzete Franco.

Rosa Amorim, conselheira tutelar e que tem uma história pessoal, envolvendo uma vítima de abuso e que levou à morte uma adolescente (Letícia Tanzi, morta a facadas em São Roque/SP, em 2018), usou a tribuna para apresentar a cartilha Protege Brasil (disponível aqui), um guia de proteção que aborda assuntos como o perigoso do uso inseguro internet, entre outras dicas e ferramentas, e que descreve, inclusive, o perfil do agressor.

“Muitas vezes podemos prevenir os casos de abusos se estivermos mais próximos de nossas crianças e adolescentes. Protejam nossas crianças”, disse emocionada Rosa Amorim.

A advogada, professora universitária, mestre em abuso e exploração sexual infanto-juvenil, vítima de abuso, Dra. Lea Carta, da Ordem dos Advogados do Brasil, afirma que 70% dos abusadores são homens da família ou pessoas próximas da família, e deixou claro que o abuso precisa ser combatido todos os dias e que a sociedade precisa rever conceitos e comportamentos.

“Muitas crianças não sabem que são vítimas de violência sexual, porque existe uma visão deturpada sobre a educação sexual para crianças e adolescentes nas escolas. Precisamos e devemos ensinar nossas crianças que determinados tipos de carinhos e toques são intoleráveis. A responsabilidade de ensinar sobre isso é de todos nós e de toda a sociedade. Se não fizermos alguma coisa agora, em 30 anos teremos uma sociedade fracassada”, declara Dra. Lea Carta, que também afirmou que tem “certeza, pelas estatísticas, que muitos de nós conhecemos uma criança que é vítima de abuso”. De acordo com a advogada, existe uma subnotificação de 90% dos casos e que a estimativa é que só 10% dos casos sejam notificados. A advogada propõe que o município deixe claro quais os canais de denúncia no maior número possível de locais, além de treinar profissionais, inclusive da educação, para conseguir identificar casos. Ele também sugere que os debates sobre o assunto sejam constantes.

Artur de Moura Leite, conselheiro tutelar, contou um caso de uma jovem de 20 anos que relatou ter sido vítima de abuso, por parte do avô, a partir de seus sete anos de idade, e de como isso interferiu no desenvolvimento da vítima. Leite propôs uma série de reflexões, incluindo uma possível descentralização do Núcleo Acolher, da Secretaria de Saúde. “Muitas vezes, as vítimas não têm condições de se locomover até o Núcleo Acolher, por isso precisamos ter o serviço em diversos pontos. Além disso, precisamos urgentemente trabalhar a prevenção e não apenas após o fato consumado”, propôs o conselheiro.

A pauta de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes faz parte da grade pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, afirmou Alessandra Bianca Cornaglia, representante da Pasta, reconhecendo que a Educação é uma porta aberta para identificação de casos. “Muitas vezes as crianças vítimas de violência apresentam indícios dessa violência, seja através de desenhos ou comportamentos”, afirmou Alessandra, ao afirmar que a Educação tem parcerias com outras secretarias para fortalecer a rede de combate ao abuso e exploração infantil. “Nosso papel é prevenir. Se a gente não preserva o presente que futuro que nós teremos?”.

A coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher, vereadora Ana Paula Rossi (PL), disse que reluta a falar sobre o assunto, porque sua vivência como gestora pública aponta que passam os anos e as falas são semelhantes. “Em 2003, tive os primeiros contatos com essa situação e observo que há 20 anos falamos a mesma coisa. Estamos em 2022 e nossos pedidos são os mesmos. Para garantir de fato — não apenas ficar de discurso, de propaganda, de panfleto —, precisamos de prática. É fazer, executar. Precisamos ter prioridades. Quando de fato esse tema for prioridade, não estaremos aqui pedindo coisas que pedimos há décadas”, aponta Ana Paula Rossi, ao esclarecer que o debate de uma audiência pública não pode “tapar o sol com a peneira”, mas “colocar o dedo na ferida” e estabelecer prioridades. “Precisamos nos empenhar mais para que de fato Osasco seja uma cidade que garanta a proteção de crianças e adolescentes”.

O vereador Délbio Teruel (DEM) disse que os relatos são emocionantes e que é inevitável que as lágrimas escorram, devido a indignação e a sensação de estarem com as mãos atadas ao verem crianças e adolescentes sendo abusadas. “Às vezes sofro pelo que falo nesta tribuna. Nós lutamos muito por esse tema aqui na Casa. Já falei aqui e fui criticado ao defender a castração química contra os abusadores. Porque o que eles fazem é inconcebível e revoltante”, ressaltou Teruel.

Convidada para acompanhar o debate, a médica e pós-doutora Sandra Dircinha Teixeira de Araújo Moraes comentou sobre seus estudos relacionados ao impacto da violência na vida das mulheres. “Não importa quando a violência tenha sido sofrida. Ela tem reflexos na vida da vítima durante longos períodos, reflexos que vão além dos psicológicos, mas físicos também”, disse a especialista, ao elogiar as iniciativas do município na luta para combater os abusos e violência sexual contra crianças e adolescentes.

Casado com uma conselheira tutelar, o ex-vereador e diretor Tadeu Neves comentou que acompanha a rotina dos conselheiros tutelares e esclarece que os debates sobre o assunto precisam ser constantes.

Adauto (PDT), vereador-membro da Comissão Parlamentar da Criança, do Adolescente da Juventude e da Mulher, usou a fé para exemplificar que as palavras precisam se transformar em ações. “É preciso ter muita fé, mas a fé sem ação não é nada”.

Presidente da Comissão Parlamentar e propositora da Audiência Pública, a vereadora Lúcia da Saúde (Podemos) falou sobre as denúncias que recebe constantemente e de como as informações — os esclarecimentos sobre o que é o abuso e exploração sexual — são importantes para incentivar as pessoas a falarem e denunciarem. A parlamentar solicitou à secretária adjunta de Saúde, Suzete Franco, que elimine as filas de espera para atendimento às vítimas de abuso e violência e que o Poder Executivo não permita que os conselheiros tutelares fiquem sem estrutura para exercer suas funções.

“Não podemos mais perder tempo. Precisamos agir. Quero fazer um apelo ao nosso prefeito para que possamos tratar as crianças e adolescentes vítimas de violência. Quantos filhos não cometeram suicídio para tirar a dor, porque não conseguiram ajuda, se calaram por vergonha. Precisamos de profissionais capacitados que saibam acolher”, pediu a parlamentar no encerramento da Audiência Pública, que teve duração de três horas.

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