Audiência Pública exalta avanços e dificuldades na luta contra o racismo

por Comunicação — publicado 30/11/2021 19h25, última modificação 02/12/2021 16h49
Evento aconteceu na noite desta terça (29) em comemoração ao Dia da Consciência Negra
Audiência Pública exalta avanços e dificuldades na luta contra o racismo

Foto: Ricardo Migliorini/CMO.

Por Charles Nisz

O plenário da Câmara Municipal de Osasco foi palco de uma Audiência Pública realizada na noite da terça-feira (29) para comemorar o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.

Assim como mais de mil cidades brasileiras, Osasco passará a celebrar a data em seu Calendário Oficial em 2022. Sancionado no dia 20 pelo prefeito Rogério Lins (Podemos), a lei é de autoria do vereador Émerson Osasco (Rede).

A audiência foi presidida pela vereadora Juliana da AtivOz (PSOL) e foi uma iniciativa da Comissão de Políticas Afirmativas de Raça e Gênero da Casa, presidida pelo vereador Pelé da Cândida (MDB), cujos membros são os vereadores Emerson Osasco, Batista Comunidade (Avante) e Elsa Oliveira (Podemos).

Na abertura dos trabalhos, o escritor Ricardo Dias comentou sobre as demandas da população negra. “Queremos igualdade de direitos e que ocupemos metade dessas cadeiras. Temos homens e mulheres capacitados, mas o primeiro vereador negro osasquense só surgiu em 1966”. Segundo Dias, os parlamentares devem ter visão política para direcionar ações para a cultura negra. ”Isso poderia ser visto como racismo às avessas. Mas a comunidade saberá entender essas ações e os vereadores têm que ser firmes no propósito de diminuir essa desigualdade racial por meio de políticas públicas”, acrescentou.

Gilmar Correia, advogado e ativista, falou da importância do 20 de novembro por meio das estatísticas de violência contra os negros no Brasil. “O Estado brasileiro é uma máquina de moer preto e pobre. Um negro tem 2,6 vezes mais chances de morrer do que um branco. A taxa de homicídios de brancos é de 11 a cada mil habitantes, contra 29,2 a cada 100 mil para os negros”, enumerou Correia.

Correia também abordou a violência policial contra os negros. “O encarceramento dos negros é a nova forma de segregação racial. Noventa e dois por cento dos assassinatos cometidos por policiais militares são arquivados, enquanto 86% dos negros acusados em inquéritos foram para a prisão”, comparou o advogado.

Batista Comunidade, um dos parlamentares da Casa, relatou experiências de racismo vividas por ele. “Já tentaram forjar acusação de uso de drogas e álcool contra mim para uso político. Acabei preso e a foto na delegacia "viralizou" nas redes sociais, como forma de me atacar”. O vereador do Avante considera a aprovação do Dia da Consciência Negra em Osasco uma vitória da Comissão de Políticas de Gênero e Raça da Câmara.

José Burato, escritor e estudioso das relações entre violência policial e racismo, comentou algumas das descobertas em seu estudo de doutorado: “A militarização da polícia é um problema, mas não é a única razão da letalidade da polícia contra os negros”, disse Burato no início da sua explanação.

“Toda essa violência é herança de uma política de guerra, vinda da ditadura e da Guerra Fria. Nessa visão, qualquer adversário interno é um inimigo do regime e deve ser eliminado. No caso brasileiro, o inimigo do patrimônio e da ordem era o negro fugido das terras dos senhores de engenho”, afirmou Burato.

Já a ativista Camila Duarte relembrou a construção histórica do Dia da Consciência Negra. Proposto em 2011, já no governo Dilma Rousseff, o feriado teve sua primeira proposição em 1971, pelo poeta negro Oliveira Silva. “Osasco só fala da imigração italiana; é um apagamento da história negra. Precisamos também de políticas públicas que cheguem nas minorias e nas periferias”, completou Camilla.

Robson de Paula, assessor do vereador Batista Comunidade, usou do conceito de hegemonia cultural no filósofo marxista Antônio Gramsci, para falar do racismo estrutural: “Os brancos colonizaram os negros também na cultura, por isso temos essa falsa sensação de democracia racial. Cresci sem ver representações de negros na mídia, na TV, em personagens de ficção. O nome disso é racismo”, disse de Paula.

A presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR), Vera Lopes, exaltou a importância de poderem ocupar um lugar de fala em um espaço como o plenário da Câmara Municipal, em um momento de comemoração à homologação do dia 20 de novembro como feriado municipal.

“Não é uma data para fazer festa. A gente tem de ter plena consciência que é uma data de luta. Osasco precisa de um mapeamento de onde está a população negra. Nós sabemos, mas nós precisamos disso com registro. O Compir luta há um bom tempo para que haja um registro oficial da cor da pessoa que está sendo atendida nas repartições públicas, principalmente na Saúde e na Educação”, comentou Vera Lopes, ao explicar a necessidade de estatísticas para melhorar a qualidade das políticas públicas desenvolvidas pela Secretaria Executiva de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, comandada por Amanda França.

E foi Amanda França quem apresentou as políticas públicas que estão sendo desenvolvidas pela secretaria executiva no município, incluindo ações para criação de centros de referência, encontros, debates, espaços de formação para combater o racismo, debates sobre a importância de respeitar a ancestralidade, entre outros assuntos que abordam a questão da igualdade racial. A secretária também afirmou que um dos projetos que começa a ser desenvolvido em janeiro de 2022 é a construção de um Fórum Religioso para debater a intolerância religiosa.

“É um desafio para Osasco. Em janeiro teremos o Dia de Combate à Intolerância Religiosa e queremos ir à Casa de Angola conversar com os lideres religiosos para que seja desenvolvido o fórum, incluindo audiências públicas na Câmara”, disse Amanda.

Autor da Lei que decretou o 20 de novembro como Dia Municipal da Consciência Negra, Emerson Osasco agradeceu a presença das pessoas que se dispuseram a debater a consciência negra de forma coletiva.

“É muito importante que tenhamos pessoas aqui que falem sobre o que os ferem e o que ferem os seus. As pessoas precisam compreender o quanto é importante não serem amedrontadas em ser o que somos. A gente precisa lutar todos os dias com todas as forças e há inúmeros caminhos para que possamos fazer isso. A gente vai lutar para que na nossa cidade, as políticas públicas criadas possam permitir que nosso povo possa entrar livremente em todos os lugares”, afirmou Emerson Osasco.

Presidindo a Audiência Pública, Juliana da Ativoz encerrou a solenidade exaltando as reflexões que foram feitas durante as mais de três horas de audiência. “Nós já discutimos LGBT, violência contra mulheres e negritude. Continuaremos fazendo essas discussões. Não fazer isso é apagar toda a nossa história, toda nossa ancestralidade. É importante todos nós participarmos disso. Eu queria que todos pudessem ter escutado o que foi falado aqui”, disse Juliana, pedindo que as pessoas se orgulhem de sua cor, de sua raça e de seus cabelos porque eles são a história de todos os que lutaram para que houvesse liberdade e igualdade, para que o debate sobre a consciência negra pudesse chegar na Casa Legislativa.

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